Com síndrome de ‘burnout’ em evidência, cresce busca por terapia corporativa

Em plataformas de terapia online, número de clientes entre companhias chegou a quadruplicar nos últimos cinco meses, mesmo antes de a OMS ter incluído o burnout na Classificação Internacional de Doenças

A Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou, em 27 de maio, que a síndrome deburnout será incluída na Classificação Internacional de Doenças. No Brasil, 72% das pessoas sofrem com estresse no trabalho, segundo a Associação Internacional de Manejo do Estresse (ISMA), entre as quais 32% têm burnout, síndrome caracterizada por sensação de não dar conta de tarefas, indiferença ao trabalho e baixa satisfação profissional.

Antes da chancela da OMS, e já mostrando a evidência desse esgotamento profissional nas companhias, mais empresas passaram a buscar opções de terapia corporativa para seus funcionários – em algumas plataformas online, o número de clientes chegou a quadruplicar.

Essas plataformas têm usado computadores, aplicativos e até inteligência artificial para acompanhar a saúde mental dos profissionais durante o trabalho. Ao vislumbrar uma oportunidade de crescer nesse mercado, a startup Hisnëk vai lançar neste mês um robô que mapeia o comportamento das equipes das empresas. Criada em 2014, a Hisnëk até então oferecia às companhias apenas planos de lanches saudáveis.

robô criado pela startup, chamado Ivi (Inteligência Virtual Interativa), usa inteligência artificial para conversar com a pessoa e, por meio de perguntas sobre seu humor e seu estado mental, é capaz de detectar estresse, esgotamento e até comportamento suicida.

“Por meio da inteligência artificial, a robô Ivi também é capaz de mostrar na tela um conteúdo de saúde mental adequado às emoções que o funcionário está sentindo, de acordo com protocolos científicos de psicologia”, diz a fundadora da Hisnëk, Carolina Dassie.

No caso da startup GoGood, um aplicativo gamificado ajuda a promover o bem-estar dos funcionários com sugestões de exercícios e jogos. Fundada em 2016, a empresa viu seu banco de clientes aumentar quatro vezes nos últimos cinco meses.

Eudes Carlos dos Santos, funcionário da Pharlab. Foto: Felipe Rau/Estadão

Eudes Carlos dos Santos, funcionário da Pharlab, empresa que é cliente da plataforma GoGood. Foto: Felipe Rau/Estadão

Para Eudes Carlos dos Santos, de 30 anos, funcionário da Pharlab, empresa que é cliente da GoGood, o aplicativo o ajudou a ter mais consciência de sua rotina. “Comecei a pensar quanto tempo eu dedicava para praticar uma atividade, o que estava comendo, se era saudável ou não. Isso ajuda na saúde mental: no final de um dia tenso, a corrida ou a caminhada viram uma terapia.”

A Telavita, que também trabalha com terapia online, viu a procura por seus serviços saltar de 14 empresas nos cinco primeiros meses de 2018 para 96 no mesmo período deste ano.

Outras três plataformas do setor também registraram aumento no interesse ou na adesão a seus serviços. A OrienteMe, que passou a oferecer planos empresariais neste ano, conta que foi procurada por 30 empresas desde janeiro. A adesão de empresas à plataforma da FalaFreud, fundada em 2016, cresceu 300% nos primeiros cinco meses deste ano, comparados com os primeiros cinco meses de 2018. Já a Vittude disse ter sido procurada por 200 empresas desde novembro, 30 vezes mais do que no semestre anterior.

O Conselho Regional de Psicologia de São Paulo alerta que as plataformas devem cumprir o código de ética da psicologia e vê com reservas promessas do tipo “vamos eliminar a ansiedade da sua empresa”. “De acordo com o código de ética, a gente não pode fazer conclusões taxativas de resultados”, afirma o conselheiro Guilherme Raggi.

Além disso, ressalta ele, o uso de inteligência artificial não substitui a avaliação de um profissional. “Não é porque um algoritmo disse que a pessoa está com ansiedade nível 10 que isso vai isentar o profissional de fazer uma avaliação psicológica.”

Prevenção

Por trás da preocupação com a saúde mental dos funcionários está uma preocupação com as finanças das corporações, aponta Bruno Rodrigues, criador da GoGood. “O reajuste médio dos planos de saúde no ano passado foi de 19%, acima da inflação. Isso é um desequilíbrio na conta das empresas e faz com que elas fiquem interessadas na saúde do colaborador.”

Além disso, com a chancela da OMS, outro impacto no bolso da empresa deve vir com o aumento de “reclamações trabalhistas e de condenações de empresas com práticas abusivas”.

Para o gerente do instituto Top Employers no Brasil, Gustavo Tavares, a nova definição deixa claro que a doença está relacionada com o ambiente corporativo e isso deve ter efeitos nas companhias. “Muitas empresas que talvez não olhassem o burnout como um problema vão ter que começar a encarar isso com a devida seriedade.”

O instituto, que certifica empresas com boas práticas de RH, mapeou em pesquisa que 23% das companhias brasileiras possuíam, em 2018, programas institucionais para prevenir burnout, ante 15% em 2016.

A Nokia foi uma das empresas que contrataram os serviços da Hisnëk, tendo acrescentado em novembro os lanches saudáveis à sua política de RH. Agora, tem planos para usar a robô Ivi. “A grande vantagem de a gente ter o videobot é que, se de fato ele conseguir se comunicar todos os dias, o funcionário vai ter um caminho mais claro de quais ferramentas dentro do nosso programa de RH ele pode utilizar”, afirma Bianca Gois, consultora de RH da Nokia.

A empresa de tecnologia Resultados Digitais também tem apostado em iniciativas para promover o bem-estar dos funcionários. Em 2018, a RD testou a plataforma da Vittude com 22 funcionários e, neste ano, decidiu oferecer a terapia corporativa a toda sua equipe.

Segundo a especialista em Diversidade e Inclusão da RD, Flávia Kotzias, uma pesquisa de satisfação mostrou que 90% dos funcionários que usam a plataforma veem impacto positivo na rotina. “A partir do momento em que o funcionário tem esse espaço para olhar para ele mesmo, ele passa a ter maior controle de ansiedade e estresse.”

Fonte: Estadão

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